5 de maio de 2017

Estrela Dalva ainda brilha, mitológica, 100 anos após ter visto a luz da vida


TEXTO de MAURO FERREIRA
 

A estrela Dalva de Oliveira brilha em todo o Brasil 100 anos após a vinda ao mundo na cidade paulista de Rio Claro (SP). Voz empoderada da era do rádio, Vicentina Paula de Oliveira (5 de maio de 1917 – 30 de agosto de 1972) nasceu há exatos 100 anos. Com cristalina voz de soprano, cuja extensão a permitia transitar com naturalidade dos graves aos agudos, Dalva iluminou o sentimento brasileiro com um canto aberto, folhetinesco, que atingiu (e ainda alcança) a alma popular. É por isso que a cantora que festejaria hoje o centenário de nascimento permanece envolta em aura mitológica.


Ao longo da discografia gravada entre 1937 e 1972, ano da dramática saída de cena na cidade do Rio de Janeiro (RJ), Dalva se consolidou com uma das mais emblemáticas vozes do Brasil. O auge artístico aconteceu no decorrer da década de 1950. Somente em 1950 – ano em que Dalva alça o voo solo que ensaiara três anos antes com a explosiva gravação do samba-canção Segredo (Herivelto Martins e Marino Pinto, 1947) – a cantora teria cinco sucessos históricos nas paradas nacionais. As gravações de Olhos verdes (Vicente Paiva), Tudo acabado (Osvaldo Martins e J. Piedade), Que será? (Marino Pinto e Mário Rossi), Errei, sim (Ataulfo Alves) e Ave Maria (Jayme Redondo e Vicente Paiva) mostraram que Dalva poderia seguir sem a proteção e o cancioneiro do ex-marido Herivelto Martins (1912 – 1992), de quem se separou em 1949 em ato ruidoso que gerou sofrência enfrentada por ambos em praça pública, sob julgamento popular, em série de composições que retratavam a dissonância conjugal.


Abatida, mas altiva, Dalva expiou a dor de amor e foi em frente, refazendo a vida afetiva e seguindo firme na carreira, numa época em que a sociedade machista e patriarcal condenava a priori qualquer mulher que ousasse se desvencilhar do marido. E Dalva saiu batendo a porta. Foi quando a voz de Dalva se fez ouvir mais alto no universo musical brasileiro, ainda que a fase com o Trio de Ouro tenha gerado gravações antológicas como Ave Maria no morro (Herivelto Martins, 1942).


Entre erros e acertos na vida e na música, Dalva jamais deixou que a estrela dela se apagasse, ainda que o brilho único do cristal da cantora tenha sido ofuscado na década de 1960 pela geração ligada à Bossa Nova. A mesma Bossa Nova que projetou o canto refinado de Pery Ribeiro (1937 – 2012), nascido da união de Dalva com Herivelto, carimbou os cantores da era do rádio com o rótulo de "ultrapassados". Mas todo Carnaval tem fim. E a Bossa Nova saiu momentaneamente de cena com a explosão da Tropicália em 1967, ano em que, talvez não por coincidência, Dalva adentrou os salões e voltou às paradas com a marcha-rancho Máscara negra (Zé Kétti e Pereira Matos, 1966), sucesso da folia daquele ano de 1967 em gravação lançada pela cantora em compacto editado em 1966.


Foi também no universo do Carnaval que Dalva emplacou o último grande sucesso da carreira, Bandeira branca (Max Nunes e Laércio Alves, 1970), dois anos antes de sair de cena. Só que a história mostrou que Dalva sempre permaneceria em cena mesmo sem a presença física. Lembrada e cultuada por nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Marisa Monte, para citar somente algumas cantoras referenciais que deram voz a músicas lançadas por Dalva, a estrela não se apagou em 1972.


Por mais que cantasse em região vocal distinta, Bethânia, sobretudo, levou adiante o legado e o repertório de Dalva. Talvez por ambas serem cantoras ligadas ao drama das canções. Dalva exaltou o Brasil e a Bahia em série de sambas. Mas Dalva foi, sobretudo, a voz dos boleros e dos sambas-canção dominantes na era do rádio. Com canto passional, a estrela iluminou até o universo dramático dos tangos e propagou a súplica amorosa do baião Kalu (Humberto Teixeira, 1952).


Dalva foi grande! Tão grande que soube se imortalizar na música sem Herivelto Martins, ainda que esteja para sempre associada ao artista que lhe forneceu composições igualmente grandes. Pela voz, a cantora traduziu e reverberou a alma e o sentimento do Brasil. O que lhe garantiu a perenidade da obra e do canto ímpar. E justifica a aura mitológica que ainda cerca o nome da estrela 100 anos após Dalva de Oliveira ter visto a luz da vida.
 

AUTOR: MAURO FERREIRA

Fonte:g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/post/estrela-dalva-ainda-brilha-mitologica-100-anos-apos-ter-visto-luz-da-vida.html

Um comentário: